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CRESCER NA GRATUIDADE DO TEMPO




(*)Acadêmico, Doutor José Pereira da Silva,

Taubaté, São Paulo.


O tempo de graça é, na perspectiva cristã, uma expressão particularmente feliz que foi dada para designar o tempo que num outro quadro referencial nos habituamos a designar um tempo livre.


Quando nos centrávamos fundamentalmente não só a contraposição entre trabalho e lazer, como uma dicotomia de tempo imperativo e tempo disponível, parecia que a liberdade em dispormos de tempo para todas as atividades desejadas, era o que antes mais caracterizava este tempo.Durante ele se construía o que, para muitos, constituía o seu projeto, de certo modo mais pessoal e intimista, da pessoa consigo própria, com Deus, com a natureza e a restante realidade, tempo em que se vivia sobretudo em grupos primários, espontâneos, informais.


Visto, embora nem sempre ajustadamente, o tempo de trabalho como limitativo, senão como apreensivo, e encarado o tempo imperativo (o dedicado às outras atividades também necessárias para a nossa sobrevivência) como igualmente restritivo, aparecia o tempo livre como sendo o da liberdade da realização pessoal, família, grupal, comunitária. Era como se fosse o tempo da verdadeira vida, face ao da vida como tinha de ser.


Embora as condições sociais não tenham muitas vezes mudado assim tão

profundamente, outras começam a ser as perspectivas centrais da atualidade.


Numa primeira evocação, tempo de graça significa tempo não pago, gratuito portanto. Trata-se de uma acepção que embora mais primária, valerá a pena explorar, até porque, cada vez mais, só em parte é verdadeira.


De fato, já vai o tempo em que o lazer era predominantemente gratuito em termos

econômicos ou, talvez melhor dito, já vai o tempo em que não se tomava consciência dos

encargos que o lazer acarreta. De qualquer forma, o desenvolvimento das industrias da

cultura e a cada vez mais intensa estruturação empresarial e econômica, até do próprio

desporto e de tantas outra atividades associadas aos tempos livres, fazer com que nessa a

pessoa mais distraída quanto às suas contas, tome consciência dos por vezes tremendos

encargos do tempo livre. Não será portanto por esta razão que valerá a pena chamar ao

tempo livre, tempo de graça!


É preciso recuperar a gratuidade do tempo. O padrão básico da sociedade atual é o

da troca instantânea em que os bens e serviços se produzem, propõem e pagam dentro de

parâmetros pré-estabelecidos, do mesmo modo que a vida se concentra em atividades se

possível definidos previamente quanto à sua natureza, tempo e lugar.


O tempo de graça faz assim apelo à arte da gratuidade recíproca, com contrapartidas não mensuradas nem escalonadas no tempo. Tempo de gratuidade é tempo ligado contínuo que cimenta não só a história pessoal em relação, como cimenta a base de todas as sociedades, a ‘obrigação’ livremente aceite de viver em comum e não só lado a lado.


Crescer na gratuidade do tempo é assim um imperativo deste final de século, que se concretizará não só na obtenção de tempo livre, mas talvez sobretudo no modo como e vivida, dado, permitido.


Ter tempo livre é uma condição necessária, mas não suficiente para se saber viver.

Tempo livre, tempo de graça, deve ser um tempo autodisciplinado que mantenha viva a

capacidade de projeto ao longo de toda a vida. O tempo gratuito não se deve concentrar só

em atividades.


Saber estar, saber conversar à vontade, ser capaz de meditar, saber até relaxar são dimensões da vida, vivida conosco, com Deus e com os outros que é preciso voltar a desenvolver. O tempo gratuito é aquele em que se reduz a ansiedade e se cultiva a confiança.


(*) Professor, Doutor José Pereira da Silva. Acadêmico Fundador e Titular da Cadeira

Perpétua nº XXVII, da Academia de Letras, História e Genealogia da Inconfidência Mineira.

Patrono: Frei José Carlos de Jesus Maria do Desterro.

 
 
 

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